MATÉRIA TÉCNICA – DE INCÊNDIOS, DESASTRES, PREVENÇÃO E EDUCAÇÃO

novembro 30, 2022by AEARMG

Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo*

“Incêndio se apaga no projeto”, frase conhecida e reconhecida nos meios da prevenção, referida por NETO (1995), continua atual, útil e necessária. Calor e fogo tem esse condão que desde pequenos progressivamente aprendemos a conhecer e reconhecer suas características. Mantidos sob controle podem trazer vida e conforto.  Aquecem e indicam presença e atividade. Sem controle, apontam para risco e perigo. Seres irracionais temem o fogo e dele se afastam, desde fogueiras nos acampamentos até incêndios em geral. Seres humanos também, por óbvio. O homem aprendeu e desenvolveu técnicas para tirar o melhor partido dessa energia, calor é energia em trânsito, em movimento orientado entre corpos e superfícies com temperaturas distintas. É um dos mais conhecidos temores das populações que conhecem as consequências trágicas dos chamados sinistros, como são denominadas suas ocorrências na área de seguros.

Essa a primeira constatação, Porque pessoas que sabem do risco agem contra si mesmas? Assombram nossas lembranças a tragédia da Vila Socó em Cubatão em 1984, onde o vazamento de produtos combustíveis a partir de dutos danificados invadiu uma região alagada de influência de maré, acumulando-se durante horas na superfície, diretamente abaixo de aglomerado de palafitas. Pessoas humildes recolheram o que puderam desse combustível e o levaram de forma improvisada para dentro das residências, envolvidas em atmosfera com gases. Para quem vive sobre o mangue, entre miasmas e emanações, não despertaram o instinto de autodefesa quando se desenhava uma tragédia ímpar. Alguma fonte de calor, quiçá uma bituca ainda acesa, transitou essa energia, convocando o inferno para tragar aquelas pessoas, resultando em quase uma centena de vítimas fatais.  Essas as reconhecidas, mas o relatório da Cetesb/FDTE (2022) menciona: “O número oficial de mortos é de 93, porém algumas fontes citam um número extra oficial superior a 500 vítimas fatais (baseado no número de alunos que deixou de comparecer à escola e a morte de famílias inteiras sem que ninguém reclamasse os corpos), dezenas de feridos e a destruição parcial da vila”. No local onde havia a vila Socó, aterrou-se o terreno e construíram-se casas em área urbanizada. Hoje, o local encontra-se adensado na forma usual de construções sobrepostas, em vários níveis.

As favelas, resultados de invasões com posteriores melhorias, onde pessoas tangidas pela pobreza vão ocupando espaços e depois adensando com sobreposição de pavimentos sem qualquer garantia técnica, caracterizam construções onde os riscos são graves e que qualquer incêndio tem potencial para a sinergia negativa e gerar acidentes ampliados, pela propagação de fogo que queima inúmeras residências, trazendo dor e perdas de vidas e patrimônio. A frequência com que ocorrem povoa a página dos jornais.

O drama dos incêndios segue com casos dramáticos mais recentes, como o emblemático caso da Boate Kiss em 2013, pela hecatombe de mais de duas centenas jovens presos em uma armadilha mortal. Não se deve esquecer a tristeza do incêndio no Centro de Treinamento em 2019 no Rio de Janeiro, onde uma dezena de garotos, jovens talentos perdeu a vida. Sonhos destruídos, dores permanente na lembrança coletiva.

O que houve entre esses dois sinistros? A edição da Lei Federal  Nº 13.425, DE 30 DE MARÇO DE 2017. Estabelece diretrizes gerais sobre medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público.

Olhando pelo viés de Educação, onde brilha a ANDEST, valorosa Associação Nacional de Docentes de Engenharia de Segurança do Trabalho, vemos que a citada Lei prevê, em seu artigo 8º. que “Os cursos de graduação em Engenharia e Arquitetura em funcionamento no País, em universidades e organizações de ensino públicas e privadas, bem como os cursos de tecnologia e de ensino médio correlatos, incluirão nas disciplinas ministradas conteúdo relativo à prevenção e ao combate a incêndio e a desastres.” Educação é luz que afasta as trevas da ignorância. É a melhor forma de preparar a população.

Com tantas diferenças, o que há de comum entre esses incêndios e o da Vila Socó? A consolidação de dados via integração de estatísticas de ocorrência e dados de outras fontes, como os que foram apresentados por Correa (2022), indicando que “cruzou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) com os dos Corpos de Bombeiros de todos os estados brasileiros. Pelo levantamento, em três anos, o País registrou pouco mais de 750 mil incêndios. Uma média de 250 mil por ano, 20,8 mil por mês e quase 700 incêndios por dia. Neste período de três anos, foram mais de duas mil mortes”. Essa temática é permanente atenção de profissionais prevencionistas, dentre os quais destacamos a atuação da APAEST, Associação Paulista de  Engenharia de Segurança Trabalho, realizando debates técnicos para melhoria das atividades nesse tema.

Numa região onde há atividades industriais no polo de Cubatão e também a grandiosidade do Porto de Santos, há que se olhar, por um lado, a recorrência de incêndios de grande porte como os incêndios em armazéns de açúcar nos anos de 2013 (5 armazéns na margem direita) e 2014, duas ocorrências, uma na Margem Direita em Santos e outra na Margem esquerda em Guarujá, além do “pai de todos os incêndios” o de 2015 em terminal de produtos combustíveis por dez dias na região da Alemoa em santos, que levou à interdição do porto. Por conta desse incêndio, foi organizado um grande fórum pelo CREASP com apoio da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos, gerando um importante relato “o que aconteceu e o que precisa mudar” (2015), implementando melhorias do PAM Plano de Auxílio Mútuo e aperfeiçoamento de diversos procedimentos valiosos para a segurança da população e de empresas. As penalidades remetem à fabulosa cifra de 3,6 bilhões de reais proposta pelo Ministério Público. Prevenir é necessário e pode evitar prejuízos imensos.

São reconhecidas as atividades nos Programas APELL (Awareness and Preparedness for Emergencies on a Local Level) de esclarecimento e treinamento para evacuação em casos de incêndios e desastres de forma cooperativa e local, com a importante participação dos órgãos de Defesa Civil. Importante iniciativa, ainda pouco comum às nossas populações, tem o mérito de informar previamente a população o potencial risco potencial de incêndios de atividades em seu ambiente.

As principais preocupações devem ser contempladas no contexto dos Princípios do Direito Ambiental, dentre eles o da Precaução e Prevenção, qual seja, inicialmente a precaução estabelecendo a melhor alternativa locacional para o projeto e, na operação, o da Prevenção, qual seja a aplicação das melhores tecnologias disponíveis, fundamentos da boa aplicação da Engenharia de Segurança do Trabalho. É o que se infere de Jucovsky  (2019).

Apesar de codificado em tantas recomendações, alertas, regulamentos, instruções e até lei, a recorrência absurda deve ser objeto de permanente reflexão e ações. Principalmente se considerarmos a eficiência de iniciativas como o referido APELL para incêndios e sua limitação de prevenção em casos de explosões.

O que se espera de empresas, gestores públicos, autoridades é uma conduta responsável em relação às suas atividades, em planejamento e ações que observem a gestão de riscos, na perspectiva do conhecer, conhecer, conhecer e eliminar, evitar, mitigar os riscos, de forma eficiente na linha do desenvolvimento sustentado, onde todos ganham, principalmente a Sociedade.

Num momento em que a Lei 13425 completa cinco anos, a constatação de 250 mil incêndios por ano evidencia que, engenheiros, professores e prevencionistas em geral, temos muito ainda a avançar de forma a alcançar a meta de Um Meio Ambiente do Trabalho Seguro, Hígido, Legal!

 

Referências:

Cetesb/FDTE, “Análise de Risco Tecnológico” disponível em https://cetesb.sp.gov.br/analise-risco-tecnologico/grandes-acidentes/vila-soco-cubatao/#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20oficial%20de%20mortos,a%20destrui%C3%A7%C3%A3o%20parcial%20da%20vila. Acesso em 3novembro2022.

Correa C., apresentação no evento “Engenharia para a Prevenção de Incêndios”, Maio 20222, Recife-Pe Disponivel em https://www.creape.org.br/crea-convida-debate-o-tema-engenharia-para-a-prevencao-de-incendios-nesta-terca-feira-31/, acesso em 3 de novembro de 2022.

GT Incêndio Alemoa, CREASP, Relatório Final. 2015. Acesso em 3novembro2022 https://www.google.com/search?q=incendio+alemoa&oq=incendio+alemoa&aqs=chrome..69i57j0i15i22i30.2909j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

Jucovsky V.L. R.S. “O Judiciário e princípio da proibição do retrocesso ambiental” Araxá 2019, disponível https://www.google.com/search?q=precau%C3%A7%C3%A3o+e+preven%C3%A7%C3%A3o+vera+jucovsky&oq=&aqs=chrome.0.35i39i362l8.16122001j0j15&sourceid=chrome&ie=UTF-8, acesso em 3novembro 2022.

NETO, Manuel Altivo da Luz. Condições de segurança contra incêndio. Brasília: Ministério da Saúde, 1995 disponível em https://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/pt/mis-14007. Acesso em 3novembro 2022.

 

Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo é Engenheiro Civil, Mecânico e de Segurança do Trabalho, Mestre e Doutor em Engenharia pela Poli USP, Diretor da Universidade Santa Cecília e da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos. Diretor da ANDEST Associação Nacional dos Docentes em Engenharia de Segurança do Trabalho e Vice Presidente da APAEST Associação Paulista de Engenheiros de Segurança do Trabalho. aureo.figueiredo@gmail.com

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